terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Mais um conto do ciclo "Os Animais" : "Urso"

Há duas coisas que nunca se negam a ninguém : um copo de água e o último cigarro de um condenado, nomeadamente a um urso, eu, condenado à morte por me ter passado da cabeça durante o maior espectáculo do mundo, o maior espectáculo do mundo dos escravos e dos animais que eles escravizam, o espectáculo das palminhas a bater o ritmo, da contorcionista que se perdeu de amores pelo trapezista húngaro de olhos doces e sobrancelhas arranjadas e sorriso tipo anúncio de pasta de dentes ; mas ele prefere partilhar a roulote do domador de leões, um pobre diabo cruel e viciado na angústia de acordar todas as manhãs a cheirar a gin barato e a maquilhagem cedida pelo palhaço rico da cara branca e das orelhas vermelhas indicadoras de bem-estar e de falsos fluxos de sangue resquícios do primeiro ensaio que correu mal ; eu, o urso, assistia a tudo e via tudo agora muito melhor do que quando no Alaska contemplava estalactites de gelo nos pinheiros de onde lambi pela primeira vez neve ; eu e os meus irmãos e irmãs travávamos ferozes batalhas de bolas de neve em que todos ganhavam e nos perdíamos de riso quando pregávamos sustos de morte aos coelhos, sob o olhar reprovador da coruja ; corríamos pelas montanhas fora e a liberdade tinha esse sabor desconhecido só percebido por quem nunca foi prisioneiro nem de ninguém nem de nada excepto do Amor ; beijei pela primeira vez a minha ursinha de focinho rosado à sombra de uma sequóia antiga como um faraó e jurámos amor eterno assinando na neve os nossos nomes com agulhas de pinheiro e penas de águia ; e fomos felizes até ao dia em que homens de olhos rasgados e sorrisos maus e igualmente rasgados a perseguiram e a fizeram cair nas águas rápidas e turbulentas de um rio que jamais lavará a dor da minha perda ; e a mim enfiaram-me numa gaiola mais fria do que qualquer glaciar que eu alguma vez conhecera, e onde me puseram a ferros e a fome. Aprendi a dominar a minha raiva surda reagindo bem às bastonadas num tempo de infindável espera e espera e espera...ganhei, com o tempo, a confiança e a convicção dos meus guardas prisionais encenadores de tristezas de bastidores de que era um prisioneiro exemplar e colaboracionista até surgir o momento por que esperei durante tanto tempo : na fraqueza da distracção de um assistente esmagado pelo peso de dívidas e de preocupações conjugais, abri a porta da jaula e com um rugido de triunfo decepei o mestre-de-cerimónias, a incredulidade ainda estampada no seu rosto seboso ; esventrei o domador, das virilhas até à garganta num só golpe, ébrio de glória e do poder de matar em retribuição divina do deus dos ursos ; galguei as bancadas semeando o terror no Circo de Natal de alegria e de paz e da reconciliação de pais e filhas desavindos de divórcios magoados e mal negociados, e de festas de Natal de empresas de "mergers and acquisitions" que se dedicam a mandar para o desemprego quinhentas pessoas de cada vez sem qualquer tipo de escrúpulo ; esmaguei de uma patada a cabeça do ilusionista, nenhum truque escapista o poderia salvar da morte desta vez bem real ; soltei ao máximo as garras para estripar a sua assistente quando cheirei a sua gravidez ainda não visível, parei...e esse momento de piedade e compaixão valeu-me um dardo tranquilizante entre as espáduas e quebrei. E assim eu, um urso, me vejo no corredor da morte por ter sido nada mais nada menos que humano, por haver matado e amado e sentido misericórdia. O que qualquer homem faz, em qualquer dia da sua vida, e o motor da História do Homem. Morro, sim...mas morro por amor e assim venço a Morte.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Carta de Laura - 2

Meu querido, Boa tarde. Espero que estejas bem, de saúde e espírito - que também tem a sua saúde, a que nós devemos encontrar, estimar e manter, mesmo que nem sempre isso tenha sido feito... Oh meu amor...quero agradecer-te do fundo do coração a nossa noite de sábado...foi verdadeiramente uma febre de sábado à noite ! Há muito tempo que não nos sentíamos assim, não foi ? Uma entrega tão completa, um enlevo no nosso amor, um abandono total...sentimos quão forte é o nosso amor, e mais, amámos a nossa beleza, amámos o facto de nos amarmos ! Foi simplesmente maravilhoso e queremos repetir, my precious ! Adorei quando dançamos loucamente, à luz fraca daquele candeeiro...e depois fomos para a cama onde nos entregámos à nossa paixão...com volúpia e muita, muita acção ! Fomos bem fundo, explorámos novas possibilidades, realizámos a caminhada, e depois no final passámos da imagem física para o Sonho e...de mão dada fomos mais além ! Obrigado, meu amor, da mesma que sei que me agradeces ! Beijos, tantos, da tua Laura

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Poesia XIII : Mulher-Árvore

Ei-los alquebrados, os seus dedos Ramificações, quais alianças Manifestas, várias esperanças E no tronco outros tantos segredos * Tua seiva corre-me p´la veia Cada ombro é uma ramada ; Deixa que te faça desfolhada Da fronda quando a manhã clareia. * Mulher-Árvore, de fruto e flor Paraíso de sombra e frescura, Tornas verde minh´alma impura Rejuvenesces-me p´lo amor. * Deito-me nas tuas raízes E em almofadas de caruma, Melhores que a mais fina espuma, Sou o mais feliz dos infelizes.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Reflexões, 8 - Sobre a vivência da Fé II

Não quero deixar de registar neste diário online duas experiências que me aconteceram, uma delas ainda na actualidade, e com alguma frequência. - A primeira teve lugar na Igreja da Luz (?), no Largo da Luz, em Lisboa. Por cima e no ponto mais elevado sobre o altar, já no ponto em que a parede toca o tecto, existe uma pintura de uma pomba ( o Espírito Santo ? )descendo sobre a cabeça de uma mulher (Nossa Senhora ? ). Não sei, desconheço, sou muito ignorante nestas matérias de Fé e ainda mais de História da Arte. Mas sei o que vi : em oração, esse quadro/pintura, ou antes a imagem, destacou-se da parede e pareceu-me avançar na minha direcção. - A segunda ocorreu na mesma igreja, e já me aconteceu noutra, a de Benfica : o padre lê o Evangelho e profere a homilia, e enquanto escuto e olho para ele tudo à minha volta fica como que enevoado e difuso ; só o padre ali se encontra, e ele está rodeado de uma aura de luz que ofusca tudo o resto. Não vejo mais nada nem mais ninguém. Não me parece que Deus me agraciasse com mais nada do que o Seu Amor, e mesmo assim já seria muito!, e nem sei se devo apequenar-me tanto, por respeito a Nosso Senhor ; sei apenas que pouco ou nada sei em matéria de Fé e desejo apenas paz para mim e para o mundo, em nome de Jesus Cristo Nosso Salvador. Sou como uma criança, sou O Menino Doente e sempre serei, e nada mais desejo, no fundo, como qualquer menino, do que amar e ser amado e ser abraçado pelo Pai.

Carta para Laura e Raimundo - 1

Olá meus queridos E Feliz 2014 ! E porque é que me sinto um hipócrita quando digo isto ? Porque não creio, claro, e porque estou magoado, muito magoado comigo mesmo, como sabeis. Não há nenhum dia que passe que eu não deseje uma mudança no meu estado de espírito, já que não posso mudar o passado então ao menos que mude o futuro, se Deus me conceder essa graça. E, por acaso ou não, ou talvez com algum esforço mas em dúvida com o amor e com a graça de Deus, lá me vou sentindo melhor, mais em paz ; não ando triste nem no permanente holocausto da alma que me faz repudiar tudo e me afunda em abismos de desprazer de viver ; ultimamente tenho, por outro lado, sentido uma grande paz e serenidade (fora alguns momentos de impaciência que talvez até sejam justificados...).Peço perdão, em oração e fora dela ; assisto à Missa e participo na Santa Eucaristia diariamente, e sinto uma paz e um amor enormes. Apetece-me abraçar toda a gente, do mais velho ao mais novo, os doentes, os pobres, os que não sabem defender-se a si próprios ; ah...se eu pudesse (e quisesse) e se tivesse mais fé, quem sabe se não estaria por aí algures uma forma qualquer de consagração religiosa ! É talvez o ponto alto do meu dia. Há outros momentos em que me sinto muito bem, por exemplo quando leio um livro que me esteja a apaixonar, ou quando me deito na cama que tenho a sorte de me darem para me deitar ; desejo e peço para que toda a gente se sentisse em paz, e tivesse uma cama. As coisas mais simples são e serão sempre as melhores, mais que não seja porque são as que tomamos por garantidas, e que acabamos por valorizar com humildade quando perdemos algo na vida que constituía o tapete que tínhamos debaixo dos pés. Tenho que me esforçar mais. Peço a Deus firmeza e constância ; fé e discernimento. Se tiver Fé, nada mais me faltará. Confio totalmente em Deus e no Seu Filho, que me salvaram a vida e me resgataram do que aparentava ser a eterna damnação a que eu mesmo certamente me condenaria ; se eu sofro com o que sou e com quem sou agora, imagine-se em que espécie de Inferno eu não estaria se agora me encontrasse numa cadeira de rodas, ou pior. Seja louvado Deus Nosso Senhor, e o Seu Filho Jesus Cristo Nosso Salvador, o Príncipe da Paz ! Meus caros, tenham esperança. Não creio que valha a pena desesperar por razões e motivos e factores que estejam fora do nosso alcance. Quem tem esperança tem todo o tempo do mundo. Não ambicionemos mais do que aquilo que desejamos, e esta é particularmente para ti, Raimundo ; terás que moderar as tuas ambições de social climber, se é que as tens, às vezes não te conheço ; e tu, minha querida Laura, sabes o que tens a fazer...estou certo de que juntos iremos conseguir, porque somos a Companhia Improvável e somos - literalmente - inseparáveis ! (cont.)

Em actualização : Leituras & Sites de Referência

- Sobre Maria Valtorta e "O Poema do Homem-Deus" http://valtorta.org/the_poem__freeonlinereadingoffer.asp http://en.wikipedia.org/wiki/Poem_of_the_Man_God http://www.uk.mariavaltorta.com/ - Sobre a ordem de São Bruno (Chartusian) http://www.statcrux.co.uk/ocart/index.htm - Jesuítas em Portugal http://www.jesuitas.pt/Jesu%C3%ADtas-em-Portugal-1.aspx - Espiritualidade Inaciana http://en.wikipedia.org/wiki/Ignatian_spirituality http://www.ignatianspirituality.com/making-good-decisions/an-approach-to-good-choices/an-ignatian-framework-for-making-a-decision/