quarta-feira, 16 de julho de 2014

Micro Ficção : TRÊS VINHOS

TRÊS VINHOS 1ª Degustação Estamos perante um vinho encorpado, que traz consigo o perfume de ginásio ; de ferro e borracha e roupas apertadas transpiradas por homens e mulheres que querem desesperadamente perder peso em dois meses, a fim de terem uma compleição que lhes permita sentir-se melhor com eles mesmos na praia e receber elogios no escritório. Este vinho é um tanto ou quanto pretensioso, pois engana na limpidez e na cor. Os seus tons são tudo menos tons padrão, marcados pelo fingimento daquilo que quer ser o que não é ; de quem se compara com os outros e sofre com isso, com um falso sorriso nos lábios. É falso para si e para os outros ; tem o dourado dos vinhos envelhecidos mas quer transparecer uma tonalidade palha dos vinhos novos, em que a uva é jovem e ainda tem na pele o refrigério enganador das trovoadas de Maio. Este vinho não soube envelhecer graciosamente. Nota : 6/10. 2ª Degustação Neste caso deparamo-nos com um branco plasmado em cascos e invólucros que não lhe ficam bem por lhe atribuírem características que não lhe correspondem. Revela como principal aroma terciário o couro de sapatos muito usados em caminhadas de vida infrutíferas e inconsequentes ; subiu e desceu planaltos e socalcos muitas vezes em mobilidades sociais frequentes de ambientes batidos e percursos erráticos. Este vinho tem boas preferências ao nível de frutos vermelhos de sangue jorrado nas lágrimas doces e perenes dos que sofrem sem saber, provavelmente por serem como são mas como tal não se aceitam. Este vinho nunca aspirou a ser vendido nas alturas certas e hoje merece estar na parte de trás das prateleiras onde aguarda com serena paciência que um provador de experiências cansadas resolva ter a sua última aventura entre os torrões da terra quente e seca pelo Sol. Pode ser bom para acompanhar marisco do Chile em época de desconto. Nota : 6/10. 3ª Degustação Este vinho é um nobre rosé, de boa casta, que surpreende na parte de trás das papilas gustativas como um bom pontapé na nuca quando se está caído no chão depois de um retumbante fracasso. Mesmo atípico, ou por causa disso mesmo, deixa consigo a consistência da persistência de quem não desiste e se encoraja a si próprio com boa ou má fé em circunstâncias fortuitas fundamentadas na possibilidade e na sincronicidade dos valores humanos, quando tocados em concerto por um deus louco. Forte no palato, engolido por uns e cuspido por outros, recusa encostar-se às boas reputações de vinhos superiores em mais na produção e controlo laboratorial do que talento puro e genuíno. Sentido e ressentido, torna-se amargo quando provado na rectaguarda das línguas viperinas tudo menos habilitadas para suportar a sua pureza. É melhor para deglutir caça capturada por pequenos burgueses famintos mais de afirmação do que de fome. Nota 7/10. "

Sem comentários:

Enviar um comentário