Uma (re)colecção de textos de formato e extensão diversos - poesia, crónica, meditações avulsas, anotações diversas, flash fiction, excerptos de contos escritos e por escrever, memórias e auxiliares de memória, orações, manifestos de ciências imaginárias como por exemplo a Monte Cristologia, e outros exemplos de sabedoria e disparate.
sábado, 21 de dezembro de 2013
Conto à maneira de Italo Calvino : As Cidades das Falésias
É difícil chegar à cidade de Balyshia, mas é bastante fácil e gratificante observá-la a partir de si mesma quando a olhamos reflectida no lago sobreo qual ela se precipita. Na verdade, as perspectivas de Balyshia dependem do ponto de vista do visitante, pois é uma cidade composta de miradouros sobrepostos. Construída em fragas e penhascos, os seus habitantes vivem e traficam em estreitíssimas cornijas o que faz com que as suas existências tenham altitude e horizontalidade mas não largueza na direcção dos seus afazeres diários, daí que os seus habitantes sejam conhecidos pela sua elegância ; a cidade é conhecida por ser berço dos mais conhecidos top models e jogadores de basketball. O facto de viverem, estudarem, comerem e fazerem amor em perigosos parapeitos leva a intermináveis disputas de espaço, tornando os habitantes de Balyshia pessoas nervosas e altamente competitivas. Raramente dormem deitados, com o mortal medo de rolar para o abismo durante o sono, fazendo com que durmam de pé e assim sejam irritáveis ao extremo. É uma cidade que nunca dorme, e uma sociedade sem sonhos, ou de sonhos permanentemente interrompidos. As relações entre as pessoas são sempre tensas e de cortar à faca, sendo elevadíssima a taxa de criminalidade violenta. A circunstância de se poder subir e descer, apenas, faz com que seja facílimo mudar de classe social, não sendo ainda assim uma sociedade sem classes mas uma sociedade de mobilidades sociais ascendente e descendente em perpétua mutação. Assim, nesta cidade, e apesar das tensões, o respeito pelo vizinho de baixo é sagrado e nunca ninguém despeja nada, dizendo "Água vai!". O respeito já não é o mesmo entre as pessoas enquanto vivem no mesmo estreito patamar, o que faz com a classe média de Balyshia às vezes pareça uma escola de gladiadores ; por falta de espaço, as pessoas vivem em filas intermináveis, como formigas, o que é causador de tensão e ansiedade e sensação de falta de futuro. Os habitantes destes exíguos socalcos ou se afrontam ou vivem de costas voltadas. Há famílias muito unidas que de repente se tornam desavindas, conforme a lei da necessidade do aproveitamento do espaço em cada determinado momento ou direcção ; duelistas, de costas voltadas, encontram-se subitamente face-a-face, encostam as suas armas ao peito de adversário mas não disparam para que nenhum deles caia ; gémeos siameses são obrigados a seguir caminhos opostos e viver em movimentos de 180º leva a que governos sejam depostos em simples movimentações da populaça e há reis de territórios de 5 polegadas quadradas durante cinco minutos ou cinco anos. De todos os vassalos de V. Majestade, são estes os que Vos pagam os mais avultados tributos ou as mais esquálidas esmolas ; se dependesses deles, tu, Kublai, serias imperador e escravo da sua lei, a da gravidade da história dos povos. Até tu, soberano, és um mero imponderável ; se és uma muralha ou colossal estátua ou apenas um grão de pó, quem sabe ?
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