quarta-feira, 11 de junho de 2014

Os Animais : PINGUIM

PINGUIM Toda a gente acha que a maneira de andar dos pinguim é muito engraçada, até se verem na contingência de andar como eles, na terra deles. Aí o caso muda de figura, para pior. O Pinguim personifica a adaptação ao gelo mais do que qualquer outro animal, do ponto de vista do Homem ; talvez por sermos aves que não voam ; andamos erectos, de costas bem erguidas, e parece que usamos uma casaca preta e coletes brancos. Como outros, outrora, que depois vi num caixão fluctuante. Imagino-os nos salões das senhoras da sociedade culta, aristocrática e da alta burguesia. Ponho-me no lugar deles, em reuniões da Royal Geographical Society, pobres e ridículos aventureiros, em busca de patronos e patrocínios : capitães do Exército sem grandes perspectivas, diletantes filhos de capitães de indústrias cavernosas dos miseráveis de 16 anos ou menos que trabalham por dia 16 horas ou mais, e filhos cadetes de marqueses, de papo cheio de coragem e bolsos cheios de nada, despedindo-se da filha do baronete no beberete após a partida de cricket, ela e ele vestidos de branco, branco de juventude e de ingenuidade e inocência, brancos de neve, brancos como o colete do Pinguim. Vimo-los chegar ao reino do Gelo e da Neve, ufanos de esperança e da glória de deixar a bandeira no Pólo Sul, numa corrida insana, bem humana, demasiado bem carregados e mal preparados, nem sequer imaginando com toda a sua ciência e inteligência aquilo que o Pinguim sabe por experiência. Olhamo-os com curiosidade uns, e indiferença outros ; isto de se ser pinguim não é fácil, pescamos sardinhas nas costas de terras a que foram dados nomes de rainhas ainda vivas para que sejam marcadas coordenadas e posições geopolíticas de prestígios victorianos de cruzadores blindados alimentados a vapor por pazadas de carvão e homens de Newcastle, dos tempos em que não havia assim tantas greves de mineiros porque se calhar não havia assim tantos direitos. Nós, os Pinguins, pescamos e quando estamos debaixo d´água escutamos os ínfimos ruídos e “cracks” da madeira a estalar lentamente pelo abraço frio do gelo, que comprime e esmaga o navio dos intrépidos exploradores, do capitão escocês de barba ruiva e cachimbo apertado entre os dentes que daqui a dois meses vão matraquear incontrolavelmente enquanto amaldiçoam a Terra do Pinguim, onde se encontram deslocados como peixes fora d´água. E eu, o Pinguim – chocando o ovo ou cuidando das nossas crias, tarefa partilhada por machos e fêmeas, nesse aspecto somos mais humanos do que os próprios Homens - abano a cabeça e antevejo a desgraça. Os poucos que irão sobreviver regressarão como farrapos humanos, entre eles o terceiro filho do marquês e o detestável despenseiro do navio, que desviava provisões ; foi descoberto, mas tudo se calou e esqueceu no inferno gelado quando ele carregou às costas o filho do marquês, naquela característica humana que maravilhou o pinguim, a de os Homens deixarem cair barreiras e se unirem na desgraça, nas dificuldades. Nada que nós, os Pinguins, não saibamos já, quando nos juntamos corpo a corpo para darmos uns aos outros calor e vida. Talvez um dia o mundo dos Homens seja melhor, quando eles forem mais parecidos com Pinguins.

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